OS VÍNCULOS PORTUGUESES
Meu irmão, meu irmão branco,
de cor, como eu também!
Aceita a minha aliança.
Bebe o meu sangue no teu.
Se te sentires timorense,
bebe o teu sangue no meu.
Lenço enrolado nas mãos,
apertadas, pele na palma.
Não o quero maculado.
Quero-lhe mais que à minha alma.
É penhor de uma aliança.
Quero-lhe mais que à minha alma.
Tenho o meu coração preso
a um símbolo desfraldado;
Um desenho atribuído,
pelas minhas mãos hasteado.
Não piso a sombra de um símbolo
pelas minhas mãos hasteado.
No Tata-Mai-Lau aprendo
alturas que ninguém viu
na terra de Português.
Hasteei-lhe uma bandeira.
Timor deu a volta ao mundo.
Hasteei nele a bandeira.
Ruy Cinatti in, Um Cancioneiro Para Timor
MUDANÇA DE ESTADO
Por trás dos montes conheço
Quem me aceita por marido,
Se, em troca, resolver
Viver a vida perdido.
Casado, é melhor que só
Viver a vida perdido.
Quero dar-me à minha gente,
Como quem cumpre um dever,
Mas não tenho prata em casa,
Nem búfalos para oferecer.
Quem a detém pede muito,
Mas não cesso caca-niqueis de clamar:
A sua filha já é grande,
Meu tio, tem que ma dar!
Minha mãe é sua irmã.
Meu tio, tem que ma dar.
Deixando-vos, estou só
Absorto num pensamento.
Não poderei enlaçar-vos
À vista de todos nós.
Somos diferentes famílias
à vista de todos nós.
Meu tio, não me desgrace.
Nada tenho e sou herdeiro.
Nada tenho para dar-vos,
Sequer a pele de um carneiro.
Por tantos porcos e panos,
Dei-vos cavalos e espadas.
Mas guardei só para ti
Um colar de coralina.
Em cada conta contei
Um colar de coralina.
Bétle, eu tenho para dar,
Mas não a folha escolhida.
Essa só a ti pertence,
Porque és a minha vida.
Trincamo-la ambos juntos,
Porque és a minha vida.
Quando subo a escada, agarro-me
Ao beiral da nossa porta.
Alto, meus olhos não vêm
Alguém que me espera à porta.
Nossos pais não querem ver
O muito que nos amamos,
A ponto de termos sido
Um só corpo sobre a lama.
O nosso filho será
Um só corpo sobre a lama.
Eu desbasto o mato grosso
E lavro a terra queimada.
Tu semeias, dás o seio
Ao filho da nossa carne.
Vi-te afiar a catana
À beira da nossa porta
Noite fora, adormeci
Junto à casa de meus pais
Minha cabeça não cortas
Junto à casa de meus pais.
Tenho fome, tenho frio
Alimento-me de musgo
Ando no mundo sózinho.
Estou de luto e ando sujo.
Morreu quem me conheceu.
Estou de luto e ando sujo
Miserável criatura,
Peço socorros ao céu.
O pombo arrulha no monte.
Não sei se é tarde ou cedo.
Teu coração é o meu.
Sei que é tarde e sei que é cedo.
Ruy Cinatti in, Um Cancioneiro Para Timor